quinta-feira, 1 de abril de 2010

fim dos tempos

Fim dos tempos

Hoje, ao entrar em um dos vagões do trem na estação Bangu, deparei-me com a seguinte cena: um menor em pé no banco com a cabeça para fora da janela. Ao lado do menino o único espaço vazio disponível, premido pela necessidade mínima de conforto para lá me dirigi.
Com o intuito de certificar-me que aquele lugar também era seguro, já que havia gente em pé, cutuquei o pequeno passageiro e perguntei:
__Posso me sentar?
O menino meio aborrecido, meio indiferente, respondeu quase pra si mesmo:
__Pode.
Confiante, continuei:
__E você? Por que não se senta também?
Silencio como resposta foi o que obtive...
Virei para o sujeito ao meu lado, um homem velho, negro e de feições cansadas, que deveria ter uns sessenta anos e disse:
__É só uma criança! Os culpados são os pais! Uns irresponsáveis que só sabem pôr filhos no mundo!
O velho concordou.
__Tinham que ser presos!
O velho discordou:
__Pra comer, beber e dormir as nossas custas?
Preso em uma colônia agrícola. Concluí. Acordar às cinco da manhã para plantar! Trabalhar até as oito da noite e depois levar umas chicotadas... (as chicotadas era brincadeira)
Meu interlocutor pareceu gostar dá idéia...
Nesse momento, notei que os demais usuários da Supervia me olhavam. O vagão estava cheio, mas não entulhado como acontece às vezes. Gente de todo tipo, idade e sexo.
No mesmo lado em que eu me encontrava, no banco seguinte, outro garoto também parecia querer sair pela janela, talvez a diferença de idade deles fosse de um ou dois anos. Um senhor forte e com traços nordestinos vaticinou:
__Sobe e cai logo de uma vez! Só assim deixa de dá trabalho... E falou um palavrão que não fica bem, coloca-lo aqui...
Pressenti que esse comentário pareceu resumir a vontade coletiva dos passageiros... Agora olhando com mais atenção os meus amigos de viagem, era possível deduzir que estava no meio de evangélicos, católicos, espíritas, ateus, gnósticos e quem sabe até alguns hereges que pareciam irmanados em uma crença ecumênica... Isso me deixou triste... Uma tristeza com matiz judaico-cristã. Tornei a olhar a criança, notei no pescoço infantil uma tiradeira, mas tarde poderia ser uma pistola ou um fuzil ou quem sabe um livro escolar... Certa sociabilidade aparentemente havia se apoderado dela. Sentou-se do meu lado como se fosse um discípulo da supernanny.
A curiosidade ditou as minhas palavras naquele momento:
__Você estuda?
__Sim.
__Está em que série?
__Quarta.
__Sabe ler?
__Não.
Quem conhece o sistema brasileiro de ensino para pobre também não há de se espantar com essa resposta. O que seria pior? Ele está falando a verdade ou mentindo?
__Você tem pai?
__Tenho.
__E mãe?
__Tenho.
__Eles não ligam pra você?
__Não!
Nesse pequeno diálogo descobrir: uma mãe parideira sem-vergonha e um pai vagabundo ordinário. Juntando o DNA desses dois safados muquiranas não teríamos um embrião promissor...
__Por quanto você comprou essa tiradeira?
No momento foi a única idéia que tive para impedi-lo de usá-las nas pessoas, ônibus e carros...
__Dois e cinqüenta.
__Dou três reais nela.
Seu amigo que segundos antes havia se juntado a ele, o aconselhou a vender.
O menino hesitou...
Mudei de assunto:
__Se eu arrumasse um lugar para você morar, você iria?
__Iria. É com você?
__Não, comigo não.

O fim dos tempos estava se afastando, Eu deveria fazer o mesmo...

O menor voltou a ficar em pé no banco do trem, retirou a tiradeira do pescoço. Sinceramente? Ele possuía numerosos motivos para isso: sociais, econômicos, religiosos, políticos, culturais, familiares, culturais, jurídicos... Mas mesmo assim não pude concordar com aquele fundamentado vandalismo infantil. Jogar pedras nas pessoas é um ato de profundo valor simbólico diria André Breton...
__Se você atirar em alguém, eu vou tomar essa tiradeira de você!
Falei firme, sério e alto.
O menino zangou-se, talvez acreditando que nosso recente bate-papo pudesse ter criado algum vínculo de cumplicidade entre nós:
__Eu estou atirando em você por acaso? Se eu estivesse atirando em você, tudo bem! Você poderia falar, mas eu não estou atirando em você!
__Você não deve tacar pedra em ninguém! Isso é errado!Você gostaria de levar uma pedrada?
Fiz uma adaptação moderna das palavras de Cristo. O perigo era ele ser sadomasoquista.
Parece que eu fui convincente. Ele não respondeu nada...
Havia chegado à estação Deodoro, seu amigo chamou-lhe para trocar de trem, pegar um direto até a Central, e ele foi...

Fim

Rio 30 de Março de 2010.
J.Duarte




Nenhum comentário: