segunda-feira, 6 de março de 2017

segunda-feira, 18 de julho de 2016

domingo, 10 de julho de 2011

AS NOVAS RELIGIÕES DE CADA DIA

Quando voltava do mercado uma mulher negra e já de idade veio ao meu encontro. Sob a luz fraca de um poste cansado não consegui identificar seu traços fisionômicos, mesmo assim, algumas de suas características não me escaparam. Trajava bermuda de brim azul, camisa bege, seu cabelo muito crespo há pouco tempo havia saído de algum salão. A negritude da sua pele se misturava com a penumbra noturna. Se era feia ou bela, não sei dizer, também isso não importa. Nos pés, chinelos. Com certeza, deveria morar perto, era uma vizinha que até aquele momento eu desconhecia. Na sua mão estendida segurava algo que parecia um folheto. Com uma voz amigável perguntou-me se eu aceitaria a palavra de Deus.


Quem em sã consciência recusaria tal oferta! O quê?! Você está de posse das palavras do Todo-poderoso?! O Senhor do Universo?! Muitos filósofos e teólogos no passado empregaram quase suas vidas inteiras a procura desse tesouro. O que Kant, Spinoza, Tomas More, Lutero, Calvino, Zwinglio não dariam por essa oportunidade, por esse momento em que o Criador se dispõe a dialogar com a criatura através da linguagem escrita! E eu, sortudo, ali naquele campo mal gramado, em frente a um detestável clube onde se cultuava a miséria da música popular brasileira, preocupado com pão, geléia e chá de erva cidreira, era tirado desse mundo insano e suas preocupações banais e colocado diante do sonho grandioso desses sábios homens... O fim último da existência humana.


Aceitei de imediato!


Mais adiante, na parte da rua mais iluminada, pude constatar profundamente infeliz, que a máxima dos pessimistas: “alegria de pobre dura pouco” era realmente verdadeira, pois se tratava da palavra do bispo Macedo.


Desanimado, e muito decepcionado olhei para trás a fim de corrigir o engano da se-nhora, porém a mulher estava longe, explorando outras ruas, a procura de novos incautos.
Em casa continuei a inspeção. O material que a mulher me dera não passava de um livreco de quatorze páginas cujo título era: A guerra diária contra o mal. Auto: Edir Macedo. Fazia parte de uma série chamada sementes e esse era o volume XI. Podia ser também título de qualquer material feito pelo Pentágono para justificar sua guerra imperialista e justa contra os terroristas inimigos da democracia e da liberdade...


Já refeito da decepção, comecei a folhear aqueles textos, pois minha avidez por leitura era quase patológica. Na página onze fiquei intrigado com as definições do teólogo, mestre, guru e empresário espiritual Edir Macedo. Vou apenas transcrever literalmente o parágrafo:
“As potestades são a classe dos espíritos imundos, sujeitos aos principados, e agem especificamente dentro do mundo religioso. O seu alvo predileto é a Igreja evangélica, que é a verdadeira igreja do Senhor Jesus. Para tanto criam novas religiões a cada dia, somente com o objetivo de pulverizar a genuína fé cristã. São elas que promovem os falsos profetas com suas religiões, aparentando um cristianismo autêntico, mas, na realidade, estão distantes das verdades bíblicas. As pessoas somente são enganadas por elas porque desconhecem a Palavra de Deus.”


Depois de ler essas linhas de sabedorias indizíveis que emocionariam Tomas de Aquino e Santo Agostinho, pude perceber o quanto eu estava enganado. Pois até aquele momento para mim o Bispo era um falso profeta, um praticante da simonia, um explorador da fé e do povo, uma espécie de comerciante religioso, criador da mistura mais profana entre o catolicismo, evangelho, e seitas afro-brasileiras, tudo com uma criatividade herética assustadora.
Quem não conhecia o sal grosso, a terra santa, a água do rio Jordão, a rosa ungida, o lenço miraculoso, o celular encantado, a fogueira santa de Israel, a sessão do descarrego e por aí a fora. (o celular encantado foi por minha conta, porém se eles quiserem usar tudo bem.) Suas praticas fetichistas eram tão famosas como novelas. Se a igreja católica podia lucrar com suas relíquias, seus santuários, missas, procissões e comércio de todo tipo de arti-gos religiosos, por que um cidadão de bem, cumpridor de seus deveres não podia? A afirmativa de que o engano no qual o povo vivia tinha como causa a ignorância da Palavra de Deus... Foi o que mais me chamou a atenção naquele texto.


Sem comentários para quem conhece a IURD...


Essa semana mesmo, passando por uma de suas igrejas, observei que o templo estava com as luzes apagadas e os participantes do culto levantavam nas mãos velas acesas acompanhado o que o homem de gravata preta e blusa branca recitava no púlpito, parecia um ritual de iniciação medieval. Mas não, só era mais um recurso de marketing religioso do nosso amado Bispo com o objetivo de espantar as potestades que atacam os ignorantes da Palavra Sagrada...


Bem, quais eram mesmos os meus propósitos principais para essa noite? A geléia, eu já saboreei, e de uma marca nova, muito boa por sinal, e o chá já está sendo preparado. A broa de milho também está ótima.


Que Deus te abençoe.

Fim