sexta-feira, 10 de abril de 2009

Crônicas da Lapa "O dilema"

O dilema

parte I

Para Dona Júlia, a Lapa era um condomínio do inferno em que o próprio capeta locava o degradado lugar aos sodomitas contumazes. Sempre que a irmã passava por ali clamava o sangue de Jesus, pois sentia certo arrepio cujo motivo com certeza seria a presença do arquiinimigo de Deus arregimentando seus seguidores para a grande batalha final. Ali toda sorte de anomalia pecaminosa reinava absoluta. Se Abraão fosse interceder por aquele lugar iria ter muita dificuldade em evitar a ira divina. Nunca vira reunida em um único espaço tantas pessoas dispostas a afrontar o Todo-poderoso, agredindo as suas leis com um prazer carnal repugnante: Prostitutas, ladrões, traficantes, artistas, Cafetões, viciados, hippies, vagabundos, homossexuais de toda espécie, policiais violentos e corruptos, mulheres vulgares, e o pior de tudo: Crianças, pobres e miseráveis crianças já entreguem ao pecado, sem família e sem religião para ampará-las, somente a rua com os seus desvios e atalhos levando-as mais rápido à degradação humana e a concupiscência da carne.
Naquela tarde, diferente das demais, quando voltou da oração, reteve o passo diante duma cena que, por ser costumeira, parecia normal aos olhos do carioca. Três crianças dormiam, nos Arcos, sobre jornais velhos e trapos do que sobrou de um antigo cobertor comprado em um bazar religioso, desses em que tudo, por filantropia, é vendido por um real. O lixo, que ainda não fora recolhido pelos garis, enfeitava o dormitório dos menores. Um cheiro de mijo entranhado e repetido nauseava o ar onde os pequenos dormiam. Um cachorro que vasculhava uma bolsa, próximo ao meninos, desistiu ao ver a religiosa se aproximar
A irmã Júlia Néri parou. O vira-lata se afastou sem que ela falasse qualquer palavra. Não sabia se era Deus que estava a lhe tocar ou o sua consciência que lhe incomodava, clamando por compaixão. Uma coisa sabia algo estava muito, muito errado no Rio de Janeiro, nem Sodoma chegara aquele ponto. O que nos salvava era que vivíamos na dispensação da graça, mas mesmo assim Jesus devia está muito insatisfeito com os fluminenses.
__Meninos!
Comovida, tocou em um deles. Escolheu o menor.
Ia perguntar se estavam bem, mas era obvio que não estavam. Na rua, sujos e abandonados só podiam estar mal, péssimos.
O menorzinho abriu os olhos remelentos o pode divisar uma senhora com um cocão, saia até os pés, um sapato velho mal engraxado e um livro preto na mão, aquele livro, conhecia-o. A Bíblia. Já o lera todo. Bom livro, toda mitologia do universo nele estava contido... Sentou-se e sem muita educação, afastando a baba da boca com a mão, perguntou:
__O que você quer tia?
__ Vocês não tem mãe, casa?
Continua..............

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