domingo, 19 de outubro de 2008

O almoço de domingo.

“O amor é aquilo que é muito bom quando os outros estão contando...”


O almoço de domingo


Como já estava com fome, liguei para minha namorada. O pedido era simples: Levar comida para mim, (pois, mais uma vez se esqueceram de pedir minha quentinha). Comida mesmo!!! Não estava querendo almoçar! Pelo tom da voz meigo e solícito, pude perceber que ela não compartilhava a minha preocupação:
__O que você quer?
__Tudo bem?
__Tudo...
Era aquele tudo que é quase nada.
__É... Vo... Você fez comida?
Gaguejei não por que estava nervoso, mas sim, porque às vezes, cometia esse deslize vocal, conseqüência de uma adolescência conturbada...
__Ué? A firma não dá almoço aos domingos?
__Eu pedi sexta-feira à Paula, Falei que trabalharia até tarde no domingo, mas pelo jeito, nada!
__Alô! Tá me ouvindo?
__Tô!
__Que voz é essa?
Eu já sabia. (Era a voz da imprestabilidade).
Naqueles longos anos de convivência, ela fora capaz de me surpreender com atos de abnegada devoção e atos de profundo egoísmo... Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu precisariam conhecê-la.
__Ainda está cedo. A pessoa ainda vai trazer.
Perdi a minha calma budista:
__Cedo merda nenhuma! Já vai dá meio-dia!
__Eu não vou...
__Que babaquice!!!
Desliguei o telefone.
Estava muito irritado, na verdade estava revoltado com a falta de consideração. Como o ser humano pode chegar a esse ponto?
O romantismo não consegue suportar o cotidiano, coisas do materialismo prático, por isso a natureza inventou a paixão, nos deixando temporariamente panacas: surdo, mudo e cego. Sim, nos estado de embotamento, causado pela paixão, chegamos ao ponto de casar... Graças a Deus, eu ainda não tinha feito essa loucura...
Ainda revoltado, lembrei-me que tinha uma mãe, se tem algo que pode enfrentar o amor e sair vitorioso é o sentimento materno. Tudo estava resolvido. Família era pra isso! Não iria ficar com fome!
__Alô, mãe!
__Você sai e nem deixa o dinheiro do pão!
__Mas eu deixei! Até falei com a senhora que o dinheiro estava no quarto em cima da tábua de passar roupa.
__Foi?
__Foi.
Sentir o som da despedida.
Que isso? Ela desligou? Não! Deve ter sido defeito na linha.
__Mãe a senhora desligou o telefone?
__Desliguei.
__Mas eu nem terminei de falar! A senhora fez almoço?
__Mãe! Alô!Alô!
__Estou com fome e estava almoçando. Liga depois!
__Mas...
O telefone ficou mudo.
Se há algo mais triste do que um homem sem esperança no mundo, é um homem sem esperança e com fome.





fim
Do livro" Contos da portaria
que em breve será publicado.

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